A cabeça está nua, o rosto à
mostra, o sorriso totalmente devassado. A falta de cabelo pode dar até dor de
cabeça, mas pode também proporcionar um ar andrógino e ao mesmo tempo divino.
Por isso, vez por outra, carecas ganham na Avenida uma roupagem artística e performática,
garantindo aplausos e, em alguns casos, um sucesso arrebatador.
Vamos voltar a 1976, ano em que a
Mocidade Independente de Padre Miguel apresentou o enredo “Mãe Menininha do
Gantois”. Antes de cunhar a inesquecível imagem da bateria da Mocidade
Independente de cabeça raspada, houve muita polêmica. O pedido para que os
ritmistas desfilassem sem os cabelos partiu da própria homenageada, Mãe Menininha.
E foi feito diretamente a representantes da verde e branca da Padre Miguel.
A jornalista Bárbara Pereira, autora
do livro Estrela que me Faz Sonhar, explica:
“os integrantes da bateria deveriam estar vestidos como ogãs dos terreiros, e,
portanto, suas cabeças seriam raspadas e os cabelos, entregues para a própria
Mãe Menininha, em Salvador (...). As cabeças foram raspadas, a contragosto dos
ritmistas, mas o incumbido de levar os cabelos até a Bahia, Jorginho Bracinho,
sofreu um acidente durante a viagem”.
Em 2001, com o enredo “Paz e
Harmonia, Mocidade é Alegria”, Renato Lage decidiu revisitar Arlindo e “encarecar”
de novo a bateria da escola, desta vez homenageando o líder pacifista hindu Mahatma Ghandi. Houve resistência, mas os ritmistas acabaram
cedendo.
Se para o lado da rapaziada foi
dureza pelar a cabeça, imagina para uma mulher. Mas foi aí que a magia se fez.
Pinah, a mineira de Muriaé de 1,80m de altura e porte de totem africano, tornou-se
o símbolo de beleza e personalidade ao encarar sem medo a avenida com a cabeça ornada
apenas de pequenos adereços. Uma jornada que começou ainda em 1976, quando foi “descoberta”
como modelo. “Em um dos seus primeiros trabalhos, posou com estamparias africanas
para a artista plástica Iracy Carise, e pouco depois conheceu Luiz Carlos
Ribeiro, costureiro para concursos em clubes”, conta o jornalista Aydano André
Motta, no livro Maravilhosa e Soberana,
sobre histórias e personalidades da Beija-Flor de Nilópolis.
Atualmente, a herdeira do espólio
da beleza calva no imaginário carnavalesco é Jéssica Mara, modelo de 1,83m de
altura. As performances da bela componente sobre os carros da Caprichosos de
Pilares, e posteriormente, da Estácio de Sá, causaram um impacto da magnitude de
um terremoto na Sapucaí. Sucesso absoluto.
Mas impactante mesmo foi a imagem
da porta-bandeira Squel Jorgea. Num ano em que Maria Bethânia foi a grande
estrela do enredo campeão mangueirense, a jovem fez história ao mostrar-se com
uma careca proeminente, lembrando as filhas de santo que raspam a cabeça em
cerimônias religiosas. Tratava-se, na verdade, de um truque muito bem feito de
maquiagem e pintura, utilizando uma touca que escondia a vasta cabeleira. Arte
pura surgida da cabeça do marido e carnavalesco Leandro Vieira, que enxergou
como seria notável apresentar uma porta-bandeira careca. E assim o foi.
Recurso que também havia sido
utilizado por Joãosinho Trinta em 1996, no enredo “Aquarela do Brasil, Ano 2000”.
Naquele ano, o carnavalesco maranhense pediu que fosse raspada (mesmo!) a
cabeça da segunda porta-bandeira Simone, que representaria uma filha de santo. Houve
burburinho, e a imagem, mesmo não tendo tanta força como a que a Estação
Primeira cunhou neste ano de 2016, ficou eternizada.
Esses exemplos mostram que no
carnaval soluções ousadas e radicais, quando bem realizadas, são sucesso
garantido na Avenida. Para o bem do espetáculo, na hora do aperto, os
diferentes são os maiorais. Afinal, é deles, dos destemidos, que o povo gosta
mais.
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